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Os cuidados necessários com o paciente odontológico portador de diabetes

Jessica Oliveira Presmic
Dentista do Seconci-SP

O Diabetes Mellitus (DM) é responsável por grande parte da morbidade e da mortalidade em todo o mundo, e cada da vez mais atinge grandes parcelas da população, sendo uma das grandes epidemias mundiais do século 21. A grande demanda desses pacientes e a importância do controle do distúrbio exigem métodos que favoreçam a aquisição de conhecimento e o atendimento adequado e resolutivo dos diabéticos pelos cirurgiões-dentistas.

O DM abrange um grupo de alterações metabólicas que podem levar à hiperglicemia, cujos principais sintomas são polidipsia (sede excessiva), poliúria (produção abundante de urina), polifagia (fome exagerada) e perda de peso. Pode estar relacionado a defeitos da secreção e/ou ação da insulina envolvendo processos patogênicos específicos como, por exemplo, destruição das células beta do pâncreas (produtoras de insulina), resistência à ação periférica da insulina, distúrbios da secreção de insulina, entre outros.

O aumento crônico da glicose sanguínea está relacionado à disfunção, dano e falência de vários órgãos, especialmente olhos, rins, nervos, coração e vasos sanguíneos. A insuficiência vascular periférica provoca distúrbios de cicatrização e alterações fisiológicas que diminuem a capacidade imunológica, favorecendo o desenvolvimento de diabetes.

A doença periodontal encontra-se presente em cerca de 75% dos casos e pode ser considerada como uma complicação microvascular do diabetes. Quanto mais cedo ocorre o aparecimento do diabetes e quanto maior for a duração da doença não controlada, o portador será mais suscetível a desenvolver a doença periodontal. Por isso, uma história aprofundada quanto ao aparecimento, duração e controle da doença é importante para o manejo clínico destes pacientes.

Uma pesquisa científica encontrou prevalência de doença periodontal severa duas vezes maior em pacientes diabéticos, em relação a pessoas com periodontite moderada. Concluiu que existe uma relação entre a severidade da enfermidade periodontal e a existência de doenças sistêmicas, sendo que se deve ter uma estratégia terapêutica unificada para restabelecer a saúde.

Os distúrbios da cavidade bucal mais frequentes nos diabéticos são:

  1. Doença periodontal (gengivite – inflamação da gengiva – e periodontite – inflamação nos componentes de sustentação dos dentes) – A OMS (Organização Mundial de Saúde) considera a doença periodontal a sexta complicação crônica do diabete. Geralmente, a má higiene oral, uma longa história de DM e um pobre controle metabólico estão associados à maior gravidade da doença periodontal. A associação entre mau controle glicêmico e uso do tabaco aumenta em 20 vezes o risco de doença periodontal.
  2. Xerostomia e Hipossalivação: Xerostomia é a sensação subjetiva de boca seca que, geralmente, mas não necessariamente, está associada com a diminuição da quantidade de saliva. A hipossalivação (redução da produção de saliva) pode causar glossodinia (sensação de queimação, ardência ou formigamento na boca), úlceras, queilites (inflamações nos lábios), língua fissurada, lesões cariosas e dificuldade de retenção de próteses, com trauma dos tecidos moles, o que predispõe a infecções. Ela tende a se agravar em fases de descontrole metabólico, pelo fato de a desidratação aumentar os gradientes osmóticos dos vasos sanguíneos em relação às glândulas salivares, limitando a secreção de saliva.
  3. Candidíase oral: A candidíase é uma infecção fúngica oportunista frequente na presença de DM não controlado.
  4. Síndrome de ardência bucal e glossodinia: Pacientes com síndrome da ardência bucal e glossodinia não apresentam lesões ou doença clinicamente detectáveis. Os sintomas de dor e queimação parecem ser o resultado de uma combinação de fatores. Nos diabéticos não controlados, esses fatores etiológicos podem incluir disfunção salivar, candidíase e alterações neurológicas como a depressão.
  5. Distúrbios de gustação: Nenhum entrevistado pela pesquisa relacionou a presença desse distúrbio em diabéticos. O gosto é um componente crítico da saúde oral que é afetado negativamente em pacientes com DM.
  6. Doenças da mucosa oral: O DM está associado com uma maior probabilidade de desenvolver certas desordens da mucosa oral, sendo que há relatos de prevalências maiores de líquen plano (inflamação da mucosa da boca) e estomatite aftosa recorrente (pequenas feridas dolorosas na boca). Em pacientes com DM tipo 1, a imunossupressão crônica (comprometimento do sistema imunológico) é uma sequela da doença. Já em pacientes com o tipo 2, a hiperglicemia aguda provoca alterações na resposta imunitária.
  7. Cárie dentária: cirurgiões-dentistas relacionaram a cárie dentária como uma manifestação comumente encontrada em diabéticos.

 

Estima-se que 3% a 4% dos pacientes adultos que se submetem a tratamento odontológico são diabéticos, e uma parte significativa deles desconhece ter a doença. O cirurgião-dentista deve estar atento para suspeitar previamente de um DM não diagnosticado.

O paciente diabético deve se alimentar normalmente antes do tratamento odontológico.

O controle da ansiedade é outro cuidado importante durante o atendimento. A liberação de adrenalina endógena por estresse pode ter um efeito sobre a ação da insulina e estimular a quebra do glicogênio no músculo (e em menor medida, no fígado), levando à hiperglicemia (níveis muito elevados de açúcar no sangue). Visando reduzir a tensão, devem ser realizadas consultas curtas no início da manhã, pois os níveis endógenos de corticosteróides neste período são geralmente altos e os procedimentos estressantes podem ser mais bem tolerados.

Os pacientes diabéticos controlados podem ser tratados como não apresentando o distúrbio metabólico. Com isso concordam muitos autores, que afirmam que pacientes diabéticos bem controlados podem ser tratados sem necessidade de cuidados especiais, uma vez que respondem de forma favorável como não-diabéticos.

Os pacientes diabéticos podem ser classificados de acordo os seguintes níveis de risco:

Baixo Risco: Pacientes com bom controle metabólico, assintomáticos, ausência de história de cetoacidose (sangue ácido) e hipoglicemia, e sem complicações. Os níveis de glicose sanguínea em jejum devem estar abaixo de 200 mg/dL. Os que apresentarem hemoglobina glicada (exame de sangue que avalia os níveis de açúcar no sangue ao longo de 90 a 120 dias) abaixo de 6,5% são considerados como estando em excelente controle, sendo de baixo risco para intervenções dentárias.

Risco Moderado: Apresentam sintomas ocasionais, não possuindo história recente de hipoglicemia ou cetoacidose e apresentando poucas complicações do DM. A taxa de glicose sanguínea em jejum deve estar abaixo de 250 mg/dL. Os que apresentarem hemoglobina glicada na faixa de 6,5% a 9% são considerados como estando em razoável controle de glicose, sendo de moderado risco para intervenções dentárias.

Alto Risco: Apresentam múltiplas complicações do DM, frequente hipoglicemia ou cetoacidose e, usualmente, necessitam de ajuste na dosagem de insulina, podendo apresentar taxa de glicose em jejum algumas vezes, acima de 250 mg/dL. Quando a concentração de hemoglobina glicada encontra-se acima de 9%, são considerados com um deficiente controle de glicemia, sendo de alto risco para intervenções dentárias.

Qualquer tipo de procedimento deve ser adiado até que suas complicações médicas estejam estabilizadas, sendo o tratamento apenas paliativo. Uma exceção importante é a do paciente cujo controle diabético está comprometido por uma infecção dentária ativa. Neste caso, deve ser executado o procedimento mais simples para a manutenção do controle.

O cirurgião dentista deve trabalhar de forma integrada com toda a equipe de saúde, podendo oferecer melhores condições para o cuidado dos pacientes portadores de DM. É preciso que ele esteja atualizado em relação ao distúrbio metabólico, suas consequências e necessidades dos seus portadores.

O Diabetes Mellitus é um problema de saúde pública, necessitando de grandes cuidados, não apenas por parte do cirurgião-dentista, como também por uma equipe multiprofissional. Tais profissionais devem estar envolvidos na prática preventiva da doença. Durante o atendimento odontológico, uma criteriosa anamnese (entrevista com o paciente sobre seu histórico médico) é indispensável para a decisão das condutas terapêuticas e realização correta dos procedimentos.

Referências Bibliográficas:

  1. ASSUNÇÃO, M. C. F.; SANTOS, I. S.; GIGANTEA, D. P. Atenção Primária em Diabetes no Sul do Brasil: Estrutura, Processo e Resultado. Revista de Saúde Pública, v. 35, n. 1, p. 88-95, 2001.
  2. Wild S, Roglic G, Green A, Sicree R, King H. Global Prevalence of Diabetes. Estimates for the year 2000 and Projections for 2030. Diabetes Care, v. 27, n. 5, p. 1047-1053, 2004.
  3. BRASIL, Ministério da Saúde. Diabetes Mellitus – Cadernos de Atenção Básica n° 16. Brasília-DF,
  4. AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. The Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Diabetes Care; Suppl: 33, 1; 2010

5. 7. SOUSA, R. R.; CASTRO, R. D.; MONTEIRO, C. H.; SILVA, S. C.; NUNES, A. B. O Paciente Odontológico Portador de Diabetes Mellitus: Uma Revisão da Literatura. Pesquisa Brasileira de Odontopediatria Clínica Integrada, v. 3, n. 2, p. 71-77, 2003.

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